Ontem, durante as eleições presidenciais na Rússia, que terminaram com a previsível vitória do premiê Vladimir Putin, a Folha entrevistou Boris Nemtsov, um dos mais importantes líderes da oposição no país. Nemtsov foi um dos principais dirigentes da Rússia entre 1997 e 98, no governo Boris Ieltsin, do qual foi vice-premiê.
Tive a valiosa colaboração de Marina Darmaros, jornalista brasileira radicada em Moscou, nessa cobertura. Registro aqui meu agradecimento pela ajuda que tive com contatos, discussões sobre a situação do país e traduções e também pela paciência de Marina com as minhas reiteradas tentativas de entender todas as placas que via na rua escritas com o alfabeto cirílico -que, ao contrário do que se imagina, nasceu na Bulgária.
Hoje, a oposição deve ir às ruas para protestar contra os resultados da eleição. Abaixo, a entrevista com Nemtsov, que respondeu em russo para Marina e em inglês para mim. Incluí também um par de questões encaixadas por uma colega britânica entre as nossas perguntas.
Há muitas coisas legais sobre essa cobertura eleitoral, aos poucos vou contando aqui.
Folha – O sr. vai participar dos protestos?
Nemtsov – Sim, claro. Amanhã [hoje] teremos um protesto na praça Puchkin, que começa às 19h. Além disso, estarei com uma fita branca nos arredores do Kremlin e recomendo que façam o mesmo. [a fita branca é o símbolo dos protestos por eleições limpas]
Folha – O senhor acredita que este seja o começo do fim de Putin?
Nemtsov – Isso já começou há muito tempo. Simplesmente ele ainda não entendeu, mas o resto do país entende.
Jornalista britânica – Por que o senhor diz que estas não são eleições limpas?
Nemtsov – Há três estágios de falsificação das eleições. O primeiro deles é a seleção de candidatos. Era impossível, de acordo com as regras, ser registrado como oposição. É por isso que apenas candidatos leais e dependentes são registrados. Um modo é ser dependente financeiramente, outro é depender em oportunidades de informação etc. O segundo estágio de falsificação é a censura. Em primeiro lugar Putin se recusa a participar de debates, depois proíbe estritamente a discussão da corrupção, primeiro no alto escalão, no Kremlin, em seguida com os amigos dele se tornando bilionários, e é impossível saber o que acontece na realidade no Cáucaso com o terrorismo, com a corrupção etc. É impossível saber o que se passa na vida privada de Putin. E o terceiro tipo de falsificação é a que acontece nas eleições. É por isso que pela primeira vez serei um observador. Sou um observador da Novaia Gazeta, onde a [jornalista morta em 2006] Anna Politkovskaia trabalhou, e agora eu vou voltar à votação, e tentar me comunicar com observadores, com a chefe da comissão, que está muito nervosa, não entendo o porquê…
Jornalista britância – Então o que o senhor espera que aconteça?
Nemtsov – Eu tenho certeza de que ele falhará em Moscou, vai ganhar talvez com 100% na Tchetchênia, no Daguestão, talvez na Ingushétia, em Kabardino-Balkária etc. No Cáucaso, resumindo, ele terá algo em torno de 99,9999%. O mesmo se dará no interior da Rússia, na Rússia Central. Muitas fraudes em cidades pequenas. Mas aqui será um problema para ele, em Moscou e em São Petersburgo.
Folha – Os protestos na Rússia e suas limitações têm algo a ver com o crescimento da classe média no país?
Nemtsov – É isso mesmo, é por isso que nas capitais se movimentam, mas nas províncias não, porque a classe média não existe, não uma classe média forte nesses locais.
Folha – Então o controle do regime nessas províncias é mais forte?
Nemtsov – Se Putin perder Moscou, ele perde a Rússia. É simples. Se não vencer em Moscou, significa que os protestos vão continuar muito fortes. Por isso que a capital é crucial nessa eleição.